Pesquisas, tecnologias e saberes populares transformam o semiárido nordestino em referência de bioeconomia e regeneração ambiental. *Por Rafael Dantas O semiárido brasileiro, um dos mais populosos do mundo, guarda riquezas que vão muito além da resiliência de sua população. Pesquisas científicas e projetos voltados à tecnologia e ao empreendedorismo têm revelado o grande potencial da Caatinga, com destaque para produtos de alto valor agregado. Estão em desenvolvimento ferramentas que aumentam a produtividade e a resistência das atividades econômicas frente às altas temperaturas do Agreste e do Sertão – soluções que também podem beneficiar outras regiões semiáridas do planeta, igualmente impactadas pelas mudanças climáticas. As inovações que brotam do solo do semiárido têm origem em universidades, empresas e ONGs que, em articulação com as comunidades locais, vêm gerando renda, serviços ambientais regenerativos e produtos diversos – alimentares, agrícolas, cosméticos, entre outros. Instituições como a Embrapa, o Cetene, o ITCBio, o Sebrae e o Lab Bacia do São Francisco têm sido o berço ou estruturas de incentivo para os projetos que reconhecem os valores e os potenciais da Caatinga. “A Caatinga não é só um bioma a ser conservado. É também uma fonte de riqueza e de conhecimento tradicional que precisa ser valorizado”, afirmou Geraldo Eugênio, professor de agricultura e biodiversidade da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco) em Serra Talhada. O docente destaca com frequência que as plantas da Caatinga, adaptadas à seca e ao calor, carregam genes valiosos para a agricultura global frente ao atual contexto das mudanças climáticas. “A Caatinga não é só um bioma a ser conservado. É também uma fonte de riqueza e de conhecimento tradicional que precisa ser valorizado” - Geraldo Eugênio Geraldo Eugênio sugere que essa riqueza genética deveria ser base de uma política nacional de valorização da Caatinga, com benefícios diretos para as populações locais. Entre as iniciativas em andamento, ele destaca que há inovações consolidadas, como o desenvolvimento da fruticultura irrigada do Vale do São Francisco, o uso de tecnologias de captação e armazenamento de água, como as cisternas de 16 mil litros e 52 mil litros, além da organização de atividades como apicultura e meliponicultura. “O mel produzido pelas abelhas nativas da Caatinga, por exemplo, tem um sabor e características únicas que podem agregar valor no mercado local e nacional. A meliponicultura é uma atividade tradicional que está ganhando espaço como uma alternativa sustentável para pequenos produtores, contribuindo para a geração de renda e preservação ambiental. Investir nesse segmento é também investir na bioeconomia da Caatinga, fortalecendo a economia local e incentivando o manejo responsável dos recursos naturais”, destacou Geraldo Eugenio. A produção de mel da Caatinga vem conquistando cada vez mais espaço na agenda da bioeconomia em Pernambuco. Em novembro, o Estado sediará a edição 2025 do Biomel PE (Encontro de Bioeconomia do Mel de Pernambuco), conduzido pelo ITCBio (Instituto Tecnológico das Cadeias Biossustentáveis). Com foco na qualificação da cadeia produtiva, o evento reunirá especialistas, apicultores e gestores públicos para fortalecer a apicultura no semiárido e ampliar o valor agregado do mel produzido na região. NOVAS FRENTES DA EMBRAPA "O inoculante Auras, desenvolvido a partir de uma bactéria isolada da raiz do mandacaru, é utilizado em culturas como milho e soja. Ele coloniza a superfície da raiz e produz um gel que protege contra a seca, além de estimular o crescimento das raízes, aumentando a absorção de água e nutrientes". - Carlos Gava Com uma vasta história na produção e no desenvolvimento da fruticultura irrigada, a Embrapa Semiárido tem ampliado sua atuação para novas áreas, explorando o potencial da biodiversidade local. O pesquisador Carlos Gava explica que a instituição tem desenvolvido tecnologias a partir de plantas e microrganismos nativos, com foco na inclusão produtiva de pequenos agricultores. “Trabalhamos com plantas adaptadas à seca, e nosso objetivo é agregar valor a elas, sem promover o extrativismo predatório”, destaca. Na área de recursos naturais, uma das principais linhas de pesquisa se concentra no uso sustentável da Caatinga e na criação de novos produtos. Um dos focos é a prospecção de fungos e bactérias com potencial para promover o crescimento vegetal ou atuar no controle biológico de pragas. Isso porque, além de abrigar plantas adaptadas às condições extremas, o semiárido também é rico em microrganismos capazes de favorecer o desenvolvimento das culturas. Bactérias e fungos que evoluíram nesse ambiente desafiador servem de base para inoculantes agrícolas – produtos que estimulam o crescimento das plantas e aumentam sua tolerância à seca. Um exemplo é o inoculante Auras, desenvolvido a partir de uma bactéria isolada da raiz do mandacaru. “Ela coloniza a superfície da raiz e produz um gel que protege contra a seca, além de estimular o crescimento das raízes, aumentando a absorção de água e nutrientes”, explica Carlos Gava. Atualmente, esse produto é utilizado em culturas como milho e soja. Outra vertente promissora são os estudos com óleos essenciais extraídos de espécies da Caatinga, com aplicações potenciais com bioinsumos (na agropecuária) e nas indústrias farmacêutica e de cosméticos. As pesquisas com o alecrim-do-mato, lideradas pela pesquisadora Ana Valéria Vieira de Souza, apontam para a criação de produtos com alto valor agregado e há grandes empresas interessadas em parcerias para incorporar os extratos em seus produtos. A Embrapa atualmente já consegue domesticar essa planta, extrai o óleo das folhas e desenvolve pesquisas para comprovar esses potenciais. Os frutos nativos da Caatinga, como o umbu e o maracujá do mato, também são objeto de pesquisas que buscam agregar valor e diversificar os usos. Gava conta que a instituição desenvolveu a variedade BRS Sertão Forte de maracujá da Caatinga, além de quatro tipos de umbuzeiro – dois voltados para o processamento industrial e dois para o consumo in natura, como o umbu gigante, do tamanho de uma pequena maçã. Há ainda estudos que exploram o uso desses frutos em produtos inovadores, como vinhos e espumantes. COOPERATIVA DO OURICURI Uma organização de base social e popular, lançada nesta semana, foi a primeira cooperativa de mulheres quebradeiras de coco ouricuri do Vale do Catimbau. O licuri (que é mais